A melhor estratégia de marketing para um produto alimentar atualmente é ter um parecer sobre saúde. E isso as empresas alimentícias sabem muito bem.
Uma breve análise da trajetória da indústria da soja e derivados pode ilustrar a afirmação acima. Nunca se ouviu tanto falar de alimentos a base de soja. A leguminosa passou de um produto de pouca relevância, utilizado inicialmente para enriquecer a fertilidade do solo e posteriormente como ingrediente de ração animal, alimento de minorias vegetarianas e naturalistas e classes menos favorecidas para produtos com apelo de boa qualidade nutricional, saudáveis e com alto valor agregado. Tomando como base as bebidas a base de soja (BBS), sabemos que o segmento cresce em média 30% ao ano; inúmeras empresas alimentares produzem hoje BBS a base de extrato de soja e suco de frutas que se encontram sempre aliados ao conceito de alimento saudável nas prateleiras de supermercados e lojas de produtos naturais.
Não se pretende aqui discutir a arena política da construção social da soja como alimento saudável. Entretanto, ela é um excelente exemplo de como um alimento se torna saudável e atraente comercialmente, apesar das inúmeras controversas sobre seu beneficio para a saúde humana e sua vinculação a um padrão de produção agroindustrial agressivo, com foco na monocultura, no uso abusivo de insumos agrícolas e sementes transgênicas, cujo cultivo promove repercussões sociais e ambientais de grande impacto.
Os exemplos de relações abaixo ilustram como a agroindústria da soja se articula com á área da saúde e marketing para promover o consumo.
A Soyatech é uma empresa de publicidade, pesquisa de mercado e consultoria especializada em promover informações sobre a soja para apoiar indústrias alimentares. Ela publica o periódico anual Soya and Oilseed Bluebook com informações e pesquisas, além de boletins periódicos. Junto com a Soy Connection, um informativo on line sobre soja, nutrição e saúde, a empresa é mantida pela United Soybean Board , conselho formado por 64 diretores de produtores líderes de soja norte-americanos que agem em nome dos 680.000 produtores do país e oferecem fundos de investimento para pesquisa e promoção do consumo de soja.
O Soy Health Research Program é outro programa mantido pelo United Soybean Board que estimula a pesquisa científica através da oferta de bolsas para pesquisadores qualificados que se proponham a estudar o consumo de soja e seu impacto sobre a saúde humana. Desde 2000, U$4 milhões já foram investidos na área de pesquisa de soja.
O Programa Norte-Americano de Promoção ao Consumo e Pesquisa de Soja (USDA Soybean Promotion and Research Program) foi estabelecido pelo Soybean Promotion and Research Order e autorizado pelo Soybean Promotion, Research, and Consumer Information Act que estabeleceu um programa nacional de informação ao consumidor e promoção da pesquisa nacional sobre a soja. O objetivo do programa foi fortalecer a posição do grão, manter e expandir o mercado local e estrangeiro e todos os produtores devem obrigatoriamente bancar 0,5 a 1% do preço líquido de mercado da soja. O total desse valor gira em torno de U$80 milhões anualmente destinados para fundos de pesquisa e informação ao consumidor que fortalece e expande o consumo de produtos à base de soja.
Nos EUA as vendas de alimentos a base de soja aumentaram muito após a decisão do Food and Drugs Administration (FDA) de permitir a rotulagem de tais produtos como benéficos para prevenir alguns tipos de doenças cardiovasculares. Mas quem estimulou o FDA a tomar essa decisão? A DuPont Protein Technology International encaminhou uma petição submetida ao FDA requerendo um parecer, em termos de saúde, sobre a soja, baseado em uma revisão de estudos científicos feita por um pesquisador e financiado pela mesma instituição, a DuPont.
Tal tipo de suporte de agências reguladoras, com base em estudos científicos, traz atenção ao produto, apoio da mídia e conseqüente aumento de vendas, fato percebido com outros alimentos previamente rotulados pelo FDA, como a aveia, categorizada como alimento funcional para problemas cardíacos e dislipidemias.
Simpósios específicos que discutem o tema da soja na saúde humana são promovidos regularmente e o foco das apresentações são pesquisas que incentivam o consumo da soja e seus benefícios para a saúde humana, como o anual International Symposium on the Role of Soy in Preventing and Treating Chronic Disease, apoiado por dezenas de empresas e conselhos de produtores de soja organizados.
Para não abordar somente as iniciativas norte-americanas, citamos a Embrapa Soja que, desde 1985 também percebeu a importância de ampliar o consumo de soja para além da alimentação animal. O programa se voltou para o melhoramento das características organolépticas da soja, com o apoio da genética e da tecnologia de alimentos. Tal ação foi seguida de um programa de educação e divulgação da soja, com o desenvolvimento de uma cozinha experimental e receitas, cursos e palestras para leigos e profissionais da saúde e o estabelecimento de uma bem articulada rede de pesquisa de soja, envolvendo o poder público federal e estadual, apoiado financeiramente pela indústria privada (empresas como a Swift, Anderson Clayton e a Samrig). A Embrapa não desenvolve pesquisas na área de saúde, mas seus técnicos participam de simpósios internacionais como o citado acima e acompanham pesquisas em universidades brasileiras. Vale ressaltar que a Embrapa dispõe de uma forte assessoria de comunicação com jornalistas que estimulam a veiculação das pesquisas desenvolvidas pela empresa e reportagens sobre soja na mídia.
Esses exemplos permitem resumir a trajetória que elegeu a soja como alimento saudável para o consumo humano em algumas palavras-chave: pesquisa científica, apoio da área da saúde e da indústria agroalimentar e sensibilização do consumidor. Esses elementos são a base desse artigo que se debruça na questão de como estimular a comercialização do alimento orgânico via seu elemento central: o consumidor.
O consumidor orgânico precisa ser construído e sensibilizado e inúmeras pesquisas sobre o seu perfil em todo o mundo colocam a saúde como um dos principais fatores que levam o consumidor urbano a buscar alimentos orgânicos.
Há necessidade de informar os produtores e consumidores que precisam saber porque consumir orgânico é melhor. Em países como Suíça, Alemanha e Estados Unidos, onde existem Institutos de Pesquisa em Agricultura Orgânica, responsáveis pela pesquisa, extensão e acompanhamento do sistema, e grupos de consumidores organizados, o consumo tem aumentado e impulsionado a produção.
O conceito de marketing educacional com base nos conceito de saúde humana, social e ambiental que envolve a produção orgânica tem a responsabilidade de trabalhar a imagem do sistema orgânico no mercado, posicionar seu papel na sociedade e estabelecer suas responsabilidades, neste caso, em relação ao ambiente. Dentro dessa visão, o marketing educativo que sensibiliza e conscientiza o consumidor tem relevante papel no fortalecimento e profissionalização da Agricultura Orgânica. Mas esse marketing precisa ser construído e apoiado pelo próprio movimento orgânico.
Bem, é claro que não é possível comparar a força dos produtores e das indústrias de soja norte-americanos com a realidade atual do movimento orgânico no país. E também sabemos que a área de pesquisa e produção de conhecimento sobre a relação orgânicos e saúde ainda é frágil. Mas a estratégia apresentada pode ser assimilada nas devidas proporções. Se nos EUA toda indústria alimentar de soja tem um consultor de saúde, aqui no Brasil as associações de produtores orgânicos e de empresas processadoras, as certificadoras, as empresas de produtos orgânicos, alguns supermercados e lojas especializadas podem se unir e manter associações de consumidores orgânicos organizados, esquema de cursos e palestras proferidos por profissionais de saúde e gastronomia especializados em alimentos orgânicos, bem como uma estrutura de marketing (jornalistas, sites especializados, informações regulares e estímulo de reportagens na mídia).
Assim como a FDA norte-americana foi sensibilizada a partir de pesquisas realizadas por empresas de soja, a nossa agência reguladora, Anvisa, pode dar seu parecer sobre a qualidade do alimento orgânico a partir de petições emitidas por especialistas em qualidade do alimento orgânico, mantidos pelos interessados no tema.
A união de todas essas instâncias acima citadas, aliadas aos órgãos públicos como Anvisa, Ministérios de Desenvolvimento Agrário e da Saúde, Embrapa, entre outros, pode estimular e manter pesquisadores em universidades e instituições independentes, promover palestras e cursos de formação e sensibilização em escolas, empresas, universidades e organizar congressos nacionais e internacionais chamando pesquisadores de todo o mundo que se dedicam a estudos sobre alimentos orgânicos e saúde, sem que nenhuma instituição fique sobrecarregada financeiramente.
O produtor, o empresário e o lojista orgânicos também precisam ser informados sobre o valor do alimento que eles produzem e vendem para que possam veicular seu produto corretamente, apresentando todas as suas vantagens.
Vendedores, gerentes, trabalhadores das indústrias de alimentos orgânicos, todos têm uma potencial ação educadora e multiplicadora de opiniões. A elaboração adequada de rotulagem e material de marketing, que acompanhe os produtos em supermercados e locais de venda direta, na entrega de cestas e em feiras livres deve ser estimulada, com informações precisas sobre o produtor, a origem do alimento, as condições de processamento, a justificativa do preço e das condições de sazonalidade, o valor nutricional e as vantagens do consumo de orgânicos para a saúde humana e para o meio ambiente. O produto orgânico tem um diferencial e embalagens apropriadas, ecologicamente sustentáveis, com bom nível de informação devem sinalizar a condição superior que alimento orgânico tem em muitas dimensões.
Essa abordagem de formação de rede e foco parta o consumidor, não desqualifica a importância de outras ações para o fortalecimento da comercialização como incentivo financeiro aos produtores (que torna o produto mais barato); disponibilidade e facilidade de encontrar o produto orgânico em pontos de vendas variados; proteção legal por parte do Estado; inserção do produto orgânico no mercado institucional; apoio do poder público para pesquisa e extensão. Nessa última perspectiva, a Embrapa Meio Ambiente pode se desdobrar em Embrapa Agroecologia ou Embrapa Alimentos Orgânicos e apoiar pesquisas mais direcionadas a produção de alimentos orgânicos.
Assim como o associativismo é uma condição necessária para o fortalecimento da produção da agricultura orgânica, é através da construção de uma rede de informações que a comercialização dos orgânicos pode se consolidar. Nessa rede o consumidor vai ser gradativamente construído e informado, os profissionais da saúde e produtores serão mobilizados e transformados em multiplicadores de opiniões e um alimento realmente saudável, cuja produção preserva o meio ambiente, a biodiversidade e tem o potencial de revitalizar o conceito de desenvolvimento local e de dignificar o produtor será corretamente conhecido e promovido.
Serviço:
A Dra. Elaine de Azevedo tem uma coluna especial no site de Nutrição do Portal Orgânico.
Para acessar diretamente os artigos:
www.nutricaoportal.com.br/paginas/artigos
Fonte: Dra. Elaine de Azevedo
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Dra. Elaine de Azevedo - Marketing dos alimentos orgânicos: Como estimular a comercialização
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